Conhecemos bem pouco da infância de São Francisco, mas conhecemos a sua época, o que nos permite fazer algumas considerações. Francisco de Assis nasce em uma época de transição. O sistema feudal, baseado no acúmulo de terras, por parte de alguns, e do trabalho servil ou escravo, por parte da maioria, está sendo cortado por uma nova realidade, a classe dos artesãos e comerciantes que se organizam em pequenas cidades ao redor dos burgos (torres de vigia e fiscalização nas fronteiras de territórios ou próximas aos castelos
dos senhores feudais), daí o termo burguesia. A terra está perdendo o seu “terreno” para o dinheiro. O pai de Francisco, Pedro Bernardone, é comerciante de tecidos, bem como importador. Também era fabricante de tecidos. Possuidor de considerável riqueza para a época, bem como de imóveis em Assis (algumas casas). Admirador do país, do qual trazia sua mercadoria mais lucrativa, apaixona-se e casa-se com uma dama francesa, Joana, de refinada educação e sensibilidade. Francisco nasce deste casal tão particular. O pai será caracterizado pela história como comerciante ávido de lucros e turrão, o qual não aceita prejuízos, mesmo assim faz muitas das vontades dos filhos. Joana, ao contrário, preocupa-se com os filhos, de modo especial com a fragilidade aparente de Francisco, educando-os com modos refinados da corte francesa, beirando ao mimo. Ao nascer, Francisco recebe o nome de João, dado pela mãe. O pai, ao retornar de viagem, muda para Francisco, em homenagem à França. Ele é o primogênito da família. Sabemos que teve ao menos mais um irmão, Ângelo. Sendo filho de comerciante, não tem a necessidade de trabalhar na terra, como os filhos dos servos agricultores. O que fazia então? Olhando para a pequena cidade de Assis, construída na encosta do monte Subásio, na região da Úmbria, na Itália, encontramos ruazinhas estreitas interligadas por passagens em degraus entre as casas. Não é difícil imaginar crianças brincando, correndo e inventando o que fazer, antes ou depois da escola, na Igreja São Jorge (atual mosteiro das Irmãs Clarissas). A aparente tranquilidade é quebrada volta e meia por conflitos internos, entre grupos da própria cidade de Assis, e externos, principalmente com Perúgia, cidade vizinha. A época de Francisco será entrecortada por guerras e disputas feudais e de classes. O seu pai estava implicado diretamente em algumas delas, sendo considerado liderança entre os comerciantes e artesãos de Assis. A vida política está dividida entre dois partidos os Maiores (senhores feudais e nobres) e os Menores (artesãos, comerciantes e povo). Deste modo, também não é difícil imaginar muitas brincadeiras interrompidas ou proibidas por motivos de segurança. A vida de fé também é bastante cultivada. Tanto pela força materna, como pela presença eclesial. Assis possui uma Catedral e uma Igreja paroquial (São Jorge) dentro dos muros, e fora, no campo, São Damião e Santa Maria dos Anjos (Porciúncula). É uma época marcada
pelo ritmo litúrgico, na comemoração dos santos e festividades, peregrinações. Francisco, com a família, participava assiduamente aos eventos religiosos, momento importante de mostrar a grandeza da família e de fazer doações para estar em dia com as obrigações de cristão. Francisco foi educado neste ritmo, no embalo dos santos, dos sonhos dos ideais de uma vida conduzida pela fé. As festas religiosas, porém, eram mais um momento de diversão para as crianças, pois os conflitos eram controlados e os festejos populares tomavam conta da cidade com danças, apresentações, jogos... O que não significava a diminuição das desavenças e dos desafetos entre famílias e classes sociais. Francisco verá a família de Clara ser expulsa de Assis, quando ela tinha oito anos. Pedro Bernardone estava envolvido nisso. Francisco de Assis não era uma criança diferente das demais crianças, mas assumirá sempre mais a postura de liderança no seu grupo, desde pequeno, pois assim via o seu pai, mas cultivará dentro de si também os valores aprendidos de sua mãe, mesmo que se manifestem mais tarde, quando lutará pela paz em diversos momentos. Em sua infância será marcado pelas contradições de sua sociedade, que lhe fará, na vida adulta, distanciar-se de valores e de procedimentos que levam ao acúmulo de bens e ao desprezo do diferente. Isso nos faz pensar que, apesar de uma infância “normal”, algo não o satisfazia. Nas vielas e ruas estreitas de Assis, nas brincadeiras com os amigos, na escola ou na Igreja, Francisco vislumbrava um mundo novo, um mundo em mudanças, como a sua cidade que muda de cor (do rosa ao laranja) conforme o sol vai traçando o seu curso diário e iluminando as pedras com as quais Assis é construída.
Frei Arno Frelich OFM
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