É próprio do ser humano a busca pela liberdade. Não gostamos de sentir-se “engaiolados” ou limitados em nossas decisões, buscas ou sonhos. Mas o que significa mesmo ser livre? Como se construir uma relação livre? Entre outros possíveis, destaco aqui três modos de pensar e viver encontrados entre as pessoas: o primeiro, consiste em realizar pessoalmente a própria vontade. O segundo é aspirar um equilíbrio de harmonia e paz pessoal no contexto do modo que se nos apresenta. Ou um terceiro modo permitindo-se acreditar que o mundo tal como nos é oferecido não nos limita e nele podemos buscar uma melhor qualidade de vida comum.
O primeiro modo de pensar consiste na realização pessoal, nele há uma ideia de liberdade individual, autônoma e independente em que nada e nem ninguém interfere nas minhas decisões: ouço o que eu quero, vejo o que eu quero, falo o que eu quero, vivo como eu quero. O centro deste modo de vida está no “eu interior”, no próprio ego e o princípio máximo da vivência se torna satisfação dos próprios desejos, uma vez que eles comandam as decisões. Significa adotar um discurso firme na defesa de fragmentos da realidade como valor absoluto e indiscutível, sem abertura para o todo.
Recordemos São Paulo apóstolo: “tudo me é permitido, mas nem tudo me convém” (1Cor 6, 12). Ao buscar a satisfação ilimitada do próprio ego como forma maior, esquecemos do que não nos convém. Neste caso, o inconveniente realizado acaba nos aprisionando como consequência. De modo comum, erroneamente chama-se a isso como “castigo de Deus”. Assim, massageia-se o ego, não o culpando, não assumindo o fracasso como resultado dos próprios atos. Muito cuidado, a vontade própria deve existir, mas não como fim único das decisões e ações.
Já na segunda maneira de pensar encontramos pessoas que decidem pelo silêncio como forma de encontrar um equilíbrio e harmonia na convivência social. Assim a pessoa não mexe com ninguém e deseja que ninguém mexa com ela, isso a torna ‘livre’, não importunada. Fruto desse pensamento encontramos a expressão: “Entre a verdade e a paz, fico com a paz”. Me pergunto: Que paz é essa? Novamente volta-se para o interesse pessoal acima de qualquer luta comunitária.
Vemos aqui um sentimento de conformismo e verdade pessoal absoluta. Diferentemente do primeiro pensamento, o comunitário, familiar não sofre interferências nem boas e nem más das ações pessoais. Aparentemente pode-se acreditar que está tudo bem, mas na verdade é apenas por não querer discutir, pois isto também pode significar que o indivíduo precise reconhecer seus limites pessoais.
Há ainda um terceiro pensamento remete ao reconhecimento de uma realidade com limites, normas e padrões, ao mesmo tempo com debates e opiniões. Superficialmente poderíamos imaginar que este seja o modo de pensar menos livre. Um olhar mais aprofundado vai nos fazer perceber a realidade como presente que nos é oferecido. Este mundo, este contexto, mais que ser uma gaiola de nos aprisiona, nos oferece uma base de luta, de busca, de sonho.
Como seria sonhar no nada? Se nada conheço, nada tenho, nada consigo pensar, imaginar. A liberdade está no modo com que nos portamos diante do concreto que temos, entendendo-o não como “meu”, mas como “nosso”, saindo do fechamento no próprio ego que aprisiona a si e também retrai o outro. Somos pessoas, seres de relação, e a relação vivida com transparência e respeito pessoal é que forma e fortalece indivíduos livres, famílias livres, uma sociedade que respira liberdade.
Este justamente é o modo mais complexo de se pensar e viver, visto que expõe as diferenças e nos faz sair de nossa zona de conforto, nos leva ao confronto, ao diálogo. Poderemos perceber inclusive onde nossa “liberdade pessoal”, pode estar ferindo a liberdade de outrem. Diz o pensador Bakunin: “Só serei verdadeiramente livre quando todos os seres humanos que me cercam, homens e mulheres, forem igualmente livres, de modo que quanto mais numerosos forem os homens livres que me rodeiam e quanto mais profunda e maior for a sua liberdade, tanto mais vasta, mais profunda e maior será a minha liberdade.”
Recordando, não significa fazer o que queremos e nem ficar calado permitindo que os outros façam o que querem desde que não interfiram na minha vida. Significa um olhar aberto, a partir do outro, de seu contexto. Posso aí sim, na relação e liberdade interpessoal inclusive somar com o outro, desde que nos reconheçamos ‘dois’ ou mais pessoas integralmente.
Por fim, vivemos rodeados de pessoas o tempo todo e de diferentes modos, seja em nossos trabalhos e encontros pessoais, seja por meio de redes sociais, na iteração virtual, seja onde ambas se confluem. Nesses “espaços” podemos criar, construir relações maduras e de liberdade ou optar pelo fechamento pessoal ao que pensamos e reforçar “relações e amizades” de aparência apenas. Uso como inspiração para concluir São Francisco de Assis, grande santo da paz, lá da Idade Média, nos ensina e ajuda entender a nossa atualidade. Precisou desapegar-se das armas, descer do cavalo, despir-se de sua farda para ver o irmão tal como ele é e sentir-se em seu lugar. E assim cantar a liberdade do Senhor. Cantar no abraço ao leproso, na resolução de conflitos entre inimigos, nas orações junto com os pássaros e a criação toda, no cuidado fraterno com cada irmão que dele se aproximasse.
Frei Rodrigo Cichowicz, OFM
Paz e bem.
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