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Festejando a Padroeira do Brasil

Nossa Senhora Aparecida é festejada como a Padroeira do nosso país. Sua devoção está presente em todos os lugares, sua presença se faz em praticamente todas as Igrejas, como também em muitos Terreiros e Centros de Culto Afro. Isso demonstra sua tamanha popularidade, estando presente em muitos e muitos lares, em muitos e muitos corações, em muitas e muitas orações. Mas afinal, o que significa ter Nossa Senhora Aparecida oficialmente como Padroeira de uma nação, do Brasil.

Destacamos a algumas características para melhor compreender a devoção a pobre e humilde Mãe de Jesus e nossa Mãe, sob o título de Nossa Senhora Aparecida: foi encontrada em no rio, Paraíba do Sul, por pescadores, primeiro o corpo, depois a cabeça nas redes; é representada na figura de uma mulher, e mulher negra; foi cultuada inicialmente na beira do rio mesmo, por pescadores pela vizinhança, sem manto nem coroa; por fim, após a pesca da imagem vem a fartura de peixes.

A primeira característica já nos faz pensar: uma imagem encontrada por pescadores, fora do período tradicional de pesca. Após muitas tentativas frustradas de redes lançadas, eis que a pesca tem como prêmio a imagem da Imaculada Conceição, já escurecida por estar a certo tempo certamente jogada no rio. O mais impressionante milagre se dá em pegar nas redes primeiro o corpo e posteriormente pegar também a cabeça.

Celebrar nossa Padroeira deve nos fazer lembrar e rezar por tantos pobres trabalhadores que lutam diariamente pelo sustento seu e de suas famílias. Celebrar nossa Padroeira deve nos fazer lembrar e rezar por aqueles que tem seus direitos tirados, tornam-se escravizados por um sistema público que favorece alguns com o trabalho de muitos. Deve nos fazer lembrar e rezar pelos desempregados, muitos que já perderam as forças para lutar, “pescar” seu próprio peixe e porque não dizer, perderam a própria dignidade e o sentido de viver.

A segunda característica é também muito significativa para um país com uma tradição que se diz “conservadora, patriarcal”, modelo hoje inclusive politicamente defendido por parcela do nosso povo. Temos como Padroeira uma mulher, se não bastasse, uma mulher negra.

Ela representa a maioria dos fieis de nossas Igrejas, do povo de fé que se apegam a Deus, muitas vezes como última esperança de socorro. Ela representa as mães trabalhadoras, por vezes abandonadas em seus lares pelos maridos, com filhos nos braços, tendo que buscar o sustento da casa sozinhas e ainda cumprir a missão de educar sozinha seus filhos para a sociedade. Elas são muitas, basta olhar a nossa volta, basta olhar para nossas periferias sociais.

Podemos ir além, muitas delas estão sofrendo abusos de diferentes formas pela sociedade machista, tendo que se submeter até violência doméstica, muitas delas vítimas de feminicídio. A realidade vivida pela maioria das mulheres negras de nossa sociedade deveria nos envergonhar como nação. No entanto, estruturalmente são elas, guerreiras, mulheres valentes que passam por muitas vergonhas e constrangimentos, pelo simples fato de serem mulheres, de serem negras.

Uma terceira característica da nossa Padroeira é que ela foi encontrada sem coroa, sem manto. Identifica-se originalmente muito mais com a “mucama” do que com a “sinhá”, utilizando-se de termos da escravidão. Nossa fé nasce lá no êxodo do Egito com Deus ao lado do povo que foge da escravidão e os sinais continuam nos mostrando o Deus do lado dos pobres e excluídos. Somente mais tarde, pela grande difusão de sua devoção e por doação da princesa Isabel é que ela recebeu uma coroa e manto como a conhecemos hoje.

Isso explica por que a devoção a Nossa Senhora Aparecida seja tão forte entre os mais pobres, entre os negros, entre as mulheres lutadoras, por trabalhadores e trabalhadoras. E para nós, povo cristão, é uma honra celebrar em honra à Mãe do Senhor e nossa Mãe, sob o título de Nossa Senhora Aparecida, mas pela sua história desde a origem também se revela em um grande compromisso e responsabilidade como nação, como povo brasileiro.

Não podemos aqui fazer uma leitura superficial apenas. Não significa que Nossa Senhora esteja ao lado de pobres e contra ricos. Nossa Senhora está ao lado daqueles homens e mulheres mais sofridos e está ao mesmo tempo ao lado daqueles que se solidarizam com os mais frágeis da sociedade, daqueles que acreditam e lutam por uma sociedade mais justa e igual. Ela está ao lado daqueles que tratam com respeito seus irmãos e irmãs, independente de cor, classe ou religião.

O quarto e último elemento que cito sobre o encontro de Nossa Senhora Aparecida não é especificamente sobre ela, mas resultado da fé dos pescadores, a abundância de peixes nas redes pescados na sequência. Coincidência ou não, é muito semelhante ao Evangelho de Lc 5, 1-11: a pesca milagrosa.

Este elemento nos chama a atenção não para uma exploração indomável dos bens da natureza, da criação, mas, através da fé, o reconhecimento de toda a criação como obra e graça de Deus. Assim tanto no Evangelho como no encontro de Nossa Senhora da Imaculada Conceição Aparecida, a fartura de peixes está associada a um profundo encontro de fé, com Jesus, com sua Mãe. São Francisco de Assis já nos ensina, toda criação deve ser cuidada, pois nela está Deus e desrespeitando a criação estamos desrespeitando o próprio Criador.

Por fim, creio que nesses tempos difíceis seja importante refletirmos como Cristãos, filhos de nossa Mãe Amada como estando vivendo a fraternidade universal a que nos chama com tanto carinho e firmeza o Papa Francisco no documento Fratelli Tutti: “A tribulação, a incerteza, o medo e a consciência dos próprios limites, que a pandemia despertou, fazem ressoar o apelo a repensar os nossos estilos de vida, as nossas relações, a organização das nossas sociedades e sobretudo o sentido da nossa existência”. E segue ainda mais incisivo: “Hoje temos à nossa frente a grande ocasião de expressar o nosso ser irmãos, de ser outros bons samaritanos que tomam sobre si a dor dos fracassos, em vez de fomentar ódios e ressentimentos”. Celebrando nossa Padroeira, possamos refletir nossas ações, nossas opções, nosso compromisso com a humanidade, com os e as mais vulneráveis da sociedade e com toda a criação.

Paz e bem!

Frei Rodrigo Cichowicz

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