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Você sabe empinar “pipa”?

Havia um menino que costumava passar horas e horas sem se cansar, todos os dias soltando pipa. Tinha o propósito de levanta-la cada dia um pouco mais alto. Depois de muito treinar, chegou o momento em que perdeu a pipa do alcance de seus olhos, de tão alta que estava. Eis que um senhor passando pelo local o vê e pergunta o que ele estava fazendo ao olhar concentrado para o alto, para o “nada”, enquanto movimentava suavemente em gestos repetitivos as mãos. O menino objetivamente responde: empinando a pipa. O senhor olha para o alto e lhe pergunta: Mas onde está a pipa? Está lá no céu, responde o menino. O senhor intrigado começa olhar, mas nada vê e lhe afirma: Não vejo nada. Prontamente o menino confirma: Também não vejo, mas eu sinto que ela está lá em cima através da linha.

Você sabe empinar “pipa?”. Esta historinha me parece muito simples, mas cheia de significado. Viver pode ser entendida como uma arte de empinar pipa. Não nascemos para ficar parados no tempo e também sequer nascemos sabendo tudo. Aprendemos as primeiras técnicas com alguém. Quem foi? Normalmente pais, avós tem essa missão inicial. Assim, não sem dificuldades, aprendemos os primeiros passos, sorrimos com as pequenas, mas significativas vitórias.

Aos poucos vamos tomando a “pipa” nas próprias mãos, algo difícil, mas necessário para aprender. Alguns dias temos mais êxitos, outros menos. Quem empina pipa está atento às diversas circunstâncias podem ser favoráveis ou não, vento, chuva, etc. Há risco de culpar as influências externas, “pessoas, situações, imprevistos, ...” mas nessa arte de viver precisamos crescer na capacidade de nos adaptar as circunstâncias e tirar o melhor que elas possam oferecer. Isto é, saber viver o presente do modo que se nos apresenta.

Lamentar-se porque ontem era melhor, ou estacionar iludido que magicamente o amanhã será diferente também não é solução, não é caminho. Dispensemos o acomodar-se a uma fase acreditando já ter alcançado a meta de crescimento ou querer guardar a “pipa” para preservá-la na lembrança apenas ou muito menos jogá-la num canto esquecendo-a de modo que com o tempo nem lembre mais o sentido dela.

A vida é graça de Deus, buscar a cada dia a auto superação e crescimento é gratidão e responsabilidade: criança só se torna jovem quando desapega daquilo que é próprio de criança. Brincar e ter brinquedos é muito bom, mas não nos deve satisfazer para sempre. O jovem só se torna adulto quando superar as vontades de jovem. Festas, ouvir música alta, curtir a autonomia também é bom, ver a “pipa” revoando aos ventos mais altos é o êxtase da aventura, ou outras vivências próprias de jovem.

Mas não é apenas isto não, reside também aí, neste jovem a inquietação, e ela é boa, é sonho, é utopia. A inquietação é o desejo de alcançar níveis maiores de superação. Quando ela não está presente, habita a desilusão, a falta de sentido, o que é cruel para qualquer um, muito mais ainda para um jovem. Daí surgem as opções pelo lado obscuro de uma conhecida expressão: “aproveite o hoje, por que não sabemos como será o dia de amanhã.”

O menino poderia ter parado quando não viu mais a pipa a olho nu. Mas o que ele queria estava além. Chegamos ao auge quando não nos contentamos apenas em exibir a “pipa”, mas em senti-la. Não se trata de esconde-la nas alturas, perdê-la de vista apenas, mas de elevá-la de modo que a possamos compreender no mais íntimo de nossos sentidos, para além do exterior e superficial. Aparências podem fazer com que nos aplaudam e tragam alegria, mas o sentido nos realiza interiormente. Há uma “linha” condutora, de fé e de esperança e que transmite o sentido e é de responsabilidade pessoal, não há como delegar a alguém.

Lembrando, todo dia recomeçamos e temos a oportunidade de elevá-la a um nível mais elevado, não para que outros vejam, mas para que nós sintamos, e sentindo possamos compreender o invisível. Nele está a maior profundidade e alegria do encontro conosco, no amor fraterno e solidário aos nossos semelhantes e na fé e esperança em Deus.

Nossa Senhora é o mais belo exemplo: muito cedo compreende e acolhe o mistério da vida, dando sim ao chamado “surpreendente” de Deus e sua vida torna-se total e fiel doação a Ele. Ainda podemos elencar muitos santos e santas, mas lembro apenas do jovem Francisco de Assis que deixa o apego às posses e armas da guerra para sentir intimamente a Deus e anunciar com simplicidade a profecia da paz. O sentido que não é encontrado com armas nas mãos, ele o encontra com a paz no coração.

Enfim, não se preocupe com a altura que sua “pipa” tem alcançado comparando-se a outros ou tentando atrapalhar. Apenas cuide, cuide da sua “pipa”, segure firme a linha condutora, faça seu melhor e pergunte-se: permito sentir ela interiormente? Afinal, você sabe empinar “pipa”? Minha resposta: A cada dia estou aprendendo. São Francisco de Assis sabiamente dizia: “Irmãos, vamos recomeçar, até agora pouco ou nada fizemos”.

Paz e bem


Frei Rodrigo Cichowicz, OFM.

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